Poder estadunidense no século XXI: declínio previsível?

Em tempos de “potências emergentes”, alguns dizem que a influência global dos EUA está sob constante declínio devido à China. Entretanto, até que ponto isso pode ser dito?

14/07/2014 - Thiago Bittencourt

Soldados do Exército americano em treinamento. (Créditos: “Michael J. MacLeod” | Domínio público)

Em 26 de dezembro de 1991, com o fim oficial da União Soviética, a predominância dos Estados Unidos fora confirmada: a humanidade passou da bipolaridade à unipolaridade (ou “unimultipolaridade”, segundo alguns autores). Desde então, os americanos têm agido globalmente como os detentores da hegemonia, aqueles que se sobressaem na governança internacional — foram apelidados, não erroneamente, de “polícia do mundo” –, por meio do uso de seus imensos hard e soft power.A posição de liderança deles permaneceu incontestada até recentemente, quando “nações emergentes” começaram a provocar mudanças no sistema internacional ao se oporem, de qualquer maneira possível, ao conservadorismo. A ordem do dia parece ser a transformação da estrutura interestatal criada após a Segunda Grande Guerra.

Esse surgimento simultâneo, sem precedentes, de diversos atores importantes, muito mais do que em qualquer outra era da civilização, está sendo exemplificado perfeitamente pela ascensão da China. O gigante asiático é historicamente conhecido por sua enorme população, e, nas últimas décadas, tem sido glorificado devido à sua crescente economia, a qual apresenta níveis de desenvolvimento invejáveis. John Mearsheimer, o teórico norte-americano da tradição neorrealista de Relações Internacionais, argumentou que ambas essas características são “pré-requisitos para a construção de forças militares formidáveis”. Seria natural, então, acreditar que os chineses possam utilizar esse poder latente para fazer com que sua força geopolítica supere aquela dos Estados Unidos.

Quanto mais se investiga a situação, entretanto, mais difícil fica confiar nessa perspectiva. Sempre que se traz o conceito de poder a debate, ele deve ser explicitamente diferenciado de hegemonia. Enquanto que o primeiro lida com a capacidade de influenciar outros (pensando-se em fins), ou possuir consideráveis capacidades materiais (pensando-se em meios); o segundo significa a preponderância de um único ator, cujo poder ultrapassa, de longe, o resto. Embora a China certamente afrontará a supremacia estadunidense; dado o atual estado das coisas, improvavelmente ela fadará o poder dos EUA ao fracasso.

O recente crescimento dela deve-se à sua crescentemente grande economia. No mundo dos negócios, ela é a nova menina de ouro, a “terra de oportunidades” contemporânea, muito para o desgosto americano. O que atrai os investidores para lá é tanto os incentivos fiscais dados por províncias locais (JIN; QIAN; WEINGAST, 2005), e os meios — desumanos — de lucrar com a insuficiência de controle sob leis trabalhistas elementares (CHAN, 1998). Essas políticas são, evidentemente, insustentáveis a longo prazo. Até mesmo o governo nacional reconheceu isso: em uma reportagem para o The New York Times, Wassener (2014) reporta que o país está mudando de um modelo exportador para um voltado para o consumo, focado no desenvolvimento interno.

A mudança, sem dúvida, afetará o progresso extraordinário que tem sido mostrado pelo Estado oriental. O principal motor de sua evolução seria impedido pelos mesmos problemas que concernem nações já industrializadas: a consolidação de uma população “moderna”, a qual demanda maiores salários; dessa forma, impossibilitando a manutenção de estruturas de exploração da classe trabalhadora (CHAN; PUN; SELDEN, 2013). Além disso, a transformação na política fiscal representará, aos olhos dos magnatas industriais, outra derrota na incessável busca por lucros. Na melhor das hipóteses, pode-se conceber, em termos de poder, a China como um equivalente futuro aos EUA. Igualdade leva à ausência de primazia, porém não ao enfraquecimento geopolítico.

Ademais, a tese do declínio dos Estados Unidos também falha a partir do lado americano da questão. Apesar de perdas sócio-econômicas e militares — representadas pela crise de 2008–9 e pela retirada de tropas do Afeganistão e do Iraque — terem acontecido, elas são falhas temporárias de um país progressivamente relevante. Profundamente arraigado ao arranjo das instituições internacionais, líder de uma importantíssima aliança militar supranacional (a OTAN), e parceiro comercial da maior parte do globo: nada disso faz referência a um Estado-nação facilmente superável.

O campo no qual se diz que a China tem vantagem — a economia — também abriga uma fortaleza estratégica para os americanos. Segundo pesquisas realizadas por Hufbauer, Moran, e Oldenski (2013), quando companhias multinacionais investem lá, elas também incrementam suas operações dentro das fronteiras estadunidenses. Previsivelmente, as estatísticas reforçam esse ponto de vista: o PIB dos Estados Unidos sofre contínua elevação, ainda que o colapso do subprime tenha reduzido-a levemente. Desde 2009, o índice tem crescido cerca de 2% a cada ano — a única preocupação ocorreu, na verdade, apenas em 2008, quando o PIB declinou em 0,3%. Isso não significa que o desempenho econômico apresenta implicações sociais, visto que a desigualdade econômica, assim como a quantidade de norte-americanos que vivem abaixo da “linha de pobreza”, cresce. Apesar dessa questão, pode-se sugerir que o hegemon está, na verdade, fomentando suas próprias forças, em vez de deteriorando.

Adicionalmente, conquanto o Congresso Americano tenha reduzido o orçamento militar estadunidense a níveis menores que aqueles antes da Segunda Guerra Mundial (ALEXANDER; SHALAL, 2014), suas forças armadas ainda mantém bases em sessenta e três países diferentes. A série de vantagens em infraestrutura bélica — como as ferramentas de ciberguerra, usadas, por exemplo, contra o programa nuclear iraniano, e as tecnologias de espionagem via satélite — também permanece como legado. Obviamente, nenhum outro país ostenta tamanho aparato. Além disso, a OTAN vincula vinte e oito Estados em um sistema de defesa coletiva, assim fornecendo outra vantagem em relação à superpotência asiática. Os EUA continuam a ser importantes, mesmo em questões de poder duro.

Pode-se inferir, portanto, que a China não está preparada para assumir o papel de Estado-chefe da comunidade internacional. Suas condições econômicas não podem ser sustentadas eternamente, e seu principal rival geopolítico não mostra sinais de enfraquecimento. Os Estados Unidos, contudo, devem perpetuar tal paradigma, caso desejem continuar a ser o país mais relevante no mundo atual. A ameaça das “nações emergentes” não é suficiente para pressagiar o fim do poderio americano, mas ela pode constituir graves desafios ao modo pelo qual essa influência é exercida em outros. Nas palavras de Kitchen e Cox (2010), dificilmente os EUA recuperarão o domínio que eles possuíram, mas “ver isso como um declínio americano é tão mal orientado quanto seria afirmar que a recuperação europeia, depois da Segunda Guerra Mundial, minou o poder dos Estados Unidos”.

Bandeira dos EUA. (Créditos: "Jnn13" | Licença

Referências bibliográficas