O escândalo FIFA ainda surpreende alguém?
Certa vez, quando perguntado sobre possível fraude em uma de suas eleições, Blatter ironizou: “A partida acabou, os jogadores já foram aos vestiários; não responderei a pergunta alguma”. (Créditos: Marcelo Casal Jr. / ABr | Licença)
É claro que, uma hora, o sistema de funcionamento da FIFA colapsaria. Desde 1974, quando João Havelange ascendeu à sua presidência, a organização tem sido caracterizada pelo modus operandi corrupto. Esta excelente reportagem de Brian Phillips, escrita em 2011, à época de outro escândalo administrativo na entidade, explica bem o processo de deturpação da FIFA que sucedeu a posse do brasileiro. Em suma: Havelange converteu uma iniciativa predominantemente europeia em um empreendimento global. Por meio de práticas clientelistas, ele conseguiu atrair ao mundo futebolístico uma série de federações nacionais de pequena estrutura, as quais o elegeram posteriormente. A partir de sua posse, a corrupção se desenvolveu tanto que persistiria nos diversos mandatos de seu sucessor, Joseph Blatter.
A única razão para os problemas da FIFA terem permanecido intocáveis durante tanto tempo é, como falado pelo acadêmico Roger Pielke Jr., que ela se situa em um “submundo da governança” global. A FIFA não é uma organização internacional propriamente dita, pois se constitui, única e exclusivamente, dos clubes e federações regionais de futebol que a aceitam. Com isso, ela não está sujeita à inspeção dos governos, exceto em circunstâncias muito específicas, como as que os Estados Unidos utilizaram para indiciar os tais dirigentes. Há, inclusive, quem questione a competência americana sobre a questão, falando que “essa é apenas mais uma tentativa [dos EUA] de estender sua jurisdição aos outros Estados”. Contudo, parece que esse não é o caso. De fato, os dirigentes da federação não cometeram somente o erro de realizar corrupção, mas também a fizeram enquanto sujeitos à lei estadunidense. Podemos colocar em dúvida os motivos que levaram o Department of Justice a agir, mas provavelmente não conseguiremos provar ilegalidade nas ações dele.
Ironicamente, mesmo com o mega-escândalo, as eleições da FIFA ocorreram a todo vapor, e reelegeram Blatter — eis outra prova de que o sistema de corrupção está extremamente arraigado! O suíço até anunciou que renunciará ao posto, porém, sinceramente, não acredito numa mudança radical da organização após sua saída. (Até mesmo o segundo homem-forte na linha de comando, Jérôme Valcke, está diretamente acusado de envolvimento nas fraudes). Por enquanto, é bom seguir a velha máxima do don’t get your hopes up. Considerando a disposição de alguns atores em revelar novas polêmicas e fazer alterações com base nas demais, ainda há muitas palavras para escrever nessa narrativa que, pelo menos, já mostrou ao globo que a FIFA nem sempre atua para “reduzir o impacto negativo de nossas atividades… e construir um futuro melhor para todos, por meio do futebol”. Isso é alguma novidade?