A polêmica relativa à Verizon e ao PRISM

13/06/2013 - Thiago Bittencourt

Imagem do Presidente Obama dirigindo-se aos parlamentares americanos. O Congresso dos EUA afirmou que seus membros não tinham conhecimento do PRISM. (Fonte: Lawrence Jackson – Casa Branca)

Recentemente, o governo dos Estados Unidos envolveu-se em outra crise. Aproximadamente ao mesmo tempo, dois jornais publicaram reportagens que denunciavam uma suposta invasão institucionalizada de privacidade. A primeira descrevia como a ANS – Agência Nacional de Segurança – conseguiu um mandado judicial para obter dados telefônicos de toda a clientela da Verizon, uma das maiores operadoras americanas. A segunda expunha um documento ultrassecreto, o qual apresentava detalhes de um programa chamado PRISM, que teria acesso direto aos servidores de diversas empresas. O presidente Barack Obama defendeu-se, ao afirmar que o monitoramento de cidadãos é necessário para se garantir a segurança no país. As companhias da Internet, entretanto, recusam ter cooperado com a ANS sobre esse assunto. Então, ao que se deve a controvérsia relativa à investigação de possíveis ameaças à segurança?

Em 2001, o “Ato Patriota” foi promulgado pelo ex-presidente Bush. As imposições que ele determinava foram uma resposta aos atentados de 11 de Setembro. Sua maior consequência foi a atenuação das restrições à coleta de dados sobre terroristas. Porém, o ato representou ainda mais. Ele abriu as portas para uma série de quebras de privacidade, que reforçaram o poder das instituições de polícia em solo americano. Embora a legislação fosse pública, não havia conhecimento coletivo das dezenas de outros abusos cometidos pelas organizações governamentais dos EUA até as descobertas da semana passada.

Uma ordem expedida pela Corte Americana de Vigilância Estrangeira (CVE) obrigou a Verizon a ceder “metadados”. O requerimento permitiu que oficiais obtivessem, entre outros dados, informações sobre a duração de chamadas, os números de ligantes e os números IMSI e IMEI dos telefones envolvidos. A decisão da Corte abrange todas as ligações que se originam nos Estados Unidos ou são direcionadas para lá. Isso deveria ser suficiente para aumentar as preocupações relativas ao monitoramento excessivo da população. Todavia, o analista de inteligência Edward Snowden (atualmente foragido) contribuiu para o caos a partir da divulgação de outras informações confidenciais.

Snowden enviou 41 slides de PowerPoint a repórteres do “The Guardian” e do “The Washington Post”. Os documentos explicam como o PRISM funciona. Apesar de apenas quatro dos slides terem sido divulgados publicamente, um deles acusou diversas empresas conhecidas de facilitar a espionagem. Microsoft, Yahoo, Google, Facebook e Apple, por exemplo, supostamente participam do projeto. Assim que essa acusação veio à tona, as companhias apresentaram discursos formais para se eximir de responsabilidade sobre a tal rede secreta de vigilância.

Um dos slides divulgados por Edward Snowden. Pode-se observar a data de adesão de cada empresa ao projeto PRISM. (Fonte: “The Washington Post”)

O presidente do Google, Larry Page, postou uma nota oficial no blog da empresa. Para uma corporação cujo nome inclui-se em um documento legítimo do governo dos EUA, a resposta é, de fato, intrigante:

Primeiro, nós não entramos em nenhum programa que daria ao governo dos Estados Unidos – nem a nenhum outro governo – acesso direto aos nossos servidores. Sem dúvida, o governo dos EUA não tem acesso direto ou uma “porta dos fundos” para as informações guardadas em nossos servidores. Nós não tínhamos ouvido falar em um programa chamado PRISM até ontem.

Em segundo lugar, nós fornecemos dados a governos apenas quando isso está de acordo com as leis. Nossa equipe jurídica revisa todos os pedidos, e frequentemente os nega quando eles são muito amplos ou não seguem o protocolo correto. Relatos na imprensa que sugerem que o Google está dando acesso aos dados dos nossos usuários são falsos, ponto final. Até as reportagens desta semana, nós nunca tínhamos ouvido falar em um pedido amplo como o que a Verizon recebeu – uma ordem que parece ter exigido que eles fornecessem dados de ligações de milhões de usuários. Nós estamos muito surpresos ao saber que uma coisa assim existe. Qualquer sugestão de que o Google está fornecendo informações sobre as atividades na internet dos nossos usuários nessa escala é completamente falsa.

O monitoramento secreto de redes sociais não é algo novo, mas, desta vez, parece que o aspecto amplo dessa atividade é o causador de repúdio coletivo. Os protestos contra a atitude do Estado americano não são exclusivas aos EUA. Na verdade, também ocorreram repercussões na Europa e na Ásia. Pessoas na China, na Alemanha e na Itália já expressaram suas visões sobre o desrespeito dos direitos individuais. A maioria das manifestações criticaram o fato de que inúmeros cidadãos pacíficos, sem ficha criminal, estão sendo espionados.

As autoridades dizem que o tribunal responsável pelos casos de ameaças estrangeiras não é o suficiente para permitir o trabalho policial. Elas afirmam que se leva muito tempo para pedir e conseguir mandados judiciais, o que prejudica o andamento das operações sendo efetuadas. Além disso, deve-se lembrar que, muitas vezes, os juízes rejeitam solicitações de grande abrangência. Como resultado dessa política, a comunidade de inteligência tentou driblar as normas constitucionais e encontrar um outro caminho para realizar as tarefas necessárias.

Esse é um grande retrocesso para a conquista dos direitos de liberdade nos EUA. Francis Bacon, filósofo inglês, afirmara no século XVI: “Conhecimento é poder”. Cinquenta e sete anos depois, Thomas Hobbes iria utilizar a mesma frase em sua obra-prima, O Leviatã. Sem dúvida, toda informação obtida pela ASN constitui um dilema, pois permite que a agência tenha controle inimaginável sobre as vidas de americanos. Embora a vigilância seja essencial para a segurança do país, ela deve ser feita de forma individual. A atividade de monitoramento de grandes grupos de pessoas não está de acordo com a lei dos Estados Unidos. A questão que resta é: Barack Obama e seus assessores conseguem obedecer à Constituição que eles juraram respeitar?

Nota

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