As revoluções industriais e a economia global

21/07/2013 - Thiago Bittencourt

Foto da Bolsa de Valores de São Paulo. Atualmente, as economias de diversos países já alcançam níveis globais. (Créditos: Rafael Matsunaga)

O homem, em sua essência, como definido por Thomas Hobbes, foi caracterizado por viver independente de outros. Como qualquer ser vivo, ele era amaldiçoado pela competição, problemática que o fez buscar reunir-se em sociedade para ter a sua vida assegurada. Esses acontecimentos foram propostos e estudados por inúmeros filósofos, dentre os quais Hobbes, denominados contratualistas. Para eles, a elaboração de um contrato social – possuidor de limitações à liberdade humana – permitiria que todos obtivessem vantagens. Entretanto, esse quadro de prosperidade mútua não é visto atualmente. A economia global, ainda que interligada e evoluída, é palco de intensas disputas, principalmente em tempos de crise. O desenvolvimento das diversas revoluções industriais é crucial para compreender as razões para isso.

Ao fim da Idade Média, o ambiente de crise devido às transformações na Europa propiciou a ascensão dos Estados Modernos – absolutistas e mercantilistas. O monopólio acadêmico exercido pela Igreja Católica foi encerrado, e a pesquisa científica e tecnológica tornou-se possível. As consequências mais importantes, do ponto de vista industrial, tiveram seu ápice entre 1765 e 1777, com a criação da máquina a vapor, por James Watt. A invenção engenheiro escocês foi largamente utilizada, o que transformou o carvão mineral em composto primordial para o desenvolvimento de qualquer nação. Com isso, deu-se o pontapé inicial para uma série de elevações nos níveis de emissão de poluentes que viriam, alguns séculos depois, a ser culpados pela intensificação anômala do efeito estufa. O desenvolvimento mundial parecia, ainda que com custos ambientais, ser inevitável.

Todavia, o progresso possibilitado pela tecnologia de Watt não repercutiu igualmente em todos os países. O Reino Unido, por exemplo, teve o domínio dos benefícios da 1ª Revolução Industrial. A abundância de recursos naturais no território, as vantagens obtidas por meio de acordos desiguais com outros Estados (como o Tratado de Methuen¹) e a consolidação da burguesia no poder foram fatores essenciais para o pioneirismo inglês. Sem dúvida, outros povos também puderam desfrutar, em casos isolados, das maravilhas industriais. Os maiores centros possuidores de carvão, na Europa, prosperaram, assim como cidades hoje caracterizadas pela excelência urbana (Paris e Berlim, notoriamente). A revolução do século XVIII não teve grandes impactos na América, na África e no Sul asiático.

Foto do motor a vapor de James Watt. Essa invenção possibilitou o progresso da Primeira Revolução Industrial. (Créditos: Nicolás Pérez)

Mesmo assim, as mudanças das décadas posteriores ainda mantiveram a esperança de um verdadeiro avanço supranacional no quesito desenvolvimento. Houve a propagação das ideias revolucionárias de Karl Marx, justificadas pelas péssimas condições de vida dos trabalhadores fabris, os quais estavam sujeitos a uma rotina abusiva e depreciadora da dignidade humana ². Na segunda metade do século XIX, o petróleo surgiu como alternativa para diversificar as matérias-primas requeridas às empresas. Tal combustível seria o responsável pela posterior aparição das automobilísticas. Além disso, esse período foi marcado pelas disputas imperialistas, que contribuíram fortemente para o estabelecimento da velha Divisão Internacional do Trabalho. Todos os cenários apontavam para uma transição nos rumos da humanidade: os planos social, econômico e político eram constantemente alterados.

O turbilhão de contestações ao modelo industrial vigente culminou na 2ª Revolução. Na verdade, há discórdias quanto a essa nomenclatura, pois muitos alegam que apenas ocorreu um aprimoramento das técnicas da primeira revolução. A exploração do petróleo tornou-se economicamente viável, e acarretou o estímulo à produção do motor de combustão interna. A partir dessa novidade, e do ideário desenvolvido por Frederick Taylor, Henry Ford conseguiu consolidar sua corporação como uma das maiores de todo o mundo. O Taylorismo, que pregava a hierarquização da produção, foi aplicado pelo executivo americano, o qual padronizou seus produtos e implementou práticas para assegurar o consumo em massa. Um dos símbolos mais importantes desta postura do empresário é a afirmação de que seu carro era “disponível em qualquer cor, contanto que seja preto”. A produção desenfreada, o consumismo exacerbado, os lucros exorbitantes: a lógica fordista parecia infindável.

Cena do filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin. Nele, Chaplin aborda a questão da alienação do trabalhador no contexto da 2ª Revolução Industrial. (Créditos: United Artists / Janus Films / Criterion)

No entanto, os estadunidenses adeptos da doutrina de Ford não contavam com a adoção dela pelos países europeus, após o Velho Continente conseguir recuperar-se dos estragos provocados pela 1ª Guerra Mundial. Em meados dos anos 1920, o ritmo da produção industrial global já havia crescido tanto que pôde ultrapassar os índices de consumo. Esse quadro de superprodução e falta de mercados consumidores insaturados ocasionou a quebra da Bolsa de Nova Iorque, e a Grande Depressão nos EUA. Uma vez que os americanos já ostentavam o título de potência, os problemas repercutiram mundialmente, e formaram a Crise de 1929. As principais consequências do caos foram as seguintes:

Enquanto isso, outro modelo industrializante começava a prosperar na Ásia. A companhia que teve mais êxito na instituição de um novo modo de produzir – a japonesa Toyota – é a responsável pelo nome dele, o Toyotismo. Aproveitando-se da avançada tecnologia nipônica, a fabricante de carros introduziu robôs na linha de montagem. Essa política representou a completa mudança em relação aos preceitos de Ford: o trabalhador não deve ser especializado e alienado, porém qualificado para operar maquinário tão complexo; os produtos podem ser customizados, o que corresponde às expectativas da população; a produção precisa ser controlada, a fim de não se formarem excedentes.

A inovação proposta pela montadora ocorreu em momento oportuno. O incremento dos meios de comunicação e transporte provocou maior integração entre as diferentes partes do globo. Desse modo, a industrialização, antes concentrada, agora pode ser dispersa em diferentes regiões. A única condição é a existência de infraestrutura adequada à recepção da atividade fabril. Devido a sua grande eficácia, a realidade implementada no Japão foi amplamente adotada. Ela compõe a 3ª Revolução Industrial, ou a Revolução do meio técnico-científico-informacional, que ainda não foi encerrada. Esse processo permite, ainda que de forma abusiva, a expansão da indústria pelos países periféricos, responsáveis por partes menos complexas da cadeia produtiva.

A economia global evoluiu ao longo de séculos, a partir de descobertas que possibilitaram o caminho para o sucesso. O mundo contemporâneo, caracterizado pelo processo de globalização, incentiva a máxima conexão possível entre os diversos centros financeiros. Em um período de crescimento, essa ligação econômica torna-se pilar básico que deve ser protegido sob a cartilha neoliberal. Durante um cenário de crise, como o observado desde 2008, a interdependência transforma-se em vilã do desenvolvimento. Resta saber se a recente crise será capaz de provocar duradouras alterações no nosso modo de produzir ³.

Ilustração de robôs em uma montadora de carros. Com o advento do Toyotismo, a robótica tornou-se peça primordial para a efetividade das mais diversas indústrias..

Notas

  1. O Tratado de Methuen foi um acordo entre Inglaterra e Portugal que impediu indiretamente a diversificação da produção agrícola e industrial portuguesa.
  2. A exploração do trabalhador inglês foi tão intensa que deu origem a movimentos como o Ludismo (caracterizado pela “quebra de máquinas” nas fábricas) e o Cartismo (envio de cartas ao Parlamento). Entretanto, essas manifestações do proletariado não obtiveram os resultados almejados.
  3. A crise econômica de início em 2008 é caracterizada pelo colapso no mercado imobiliário americano, devido à concessão irrestrita de crédito popular. O problema passou a afetar também a Europa, e agravar o quadro de caos sócio-econômico que atinge os europeus.