A morte de Hugo Chávez

05/03/2013 - Thiago Bittencourt

(Créditos: Valter Campanato/ABr | Licença)

Às 17h55, um antigo motorista de ônibus na Venezuela dirigiu-se a cerca de 29 milhões de pessoas. Viera dizer que tinha recebido a dura e trágica informação de que o presidente Hugo Chávez havia morrido.

Esse ex-motorista era Nicolás Maduro, que, em Dezembro de 2012, foi indicado como sucessor pelo falecido comandante. Antes de ser escolhido para o posto mais importante do país latino-americano, Maduro ocupou a chefia da diplomacia venezuelana, e, mais recentemente, passou a ser o Vice-Presidente, auxiliando no legado de seu mentor.

Chávez tentou duas vezes, em 1992, derrubar o governo ex-presidente Perez, caracterizado por medidas econômicas de austeridade. A rebeldia o levou à cadeia, onde permaneceu durante dois anos. Após cumprir sua pena, Hugo buscou aliados políticos tanto dentro quanto fora do país. Com seu discurso carismático, que mistura elementos do populismo com práticas ultranacionalistas, ele conquistou a classe média venezuelana. A simpatia acabou por levá-lo ao poder com 56% dos votos da eleição de 1998.

O Estado chavista foi conhecido por sua abordagem socialista, focando na realização das reformas agrária, social, política, econômica e da saúde pública. A liderança de Chávez se firmou como uma das mais controversas já existentes na América Latina. O falecido presidente tornou-se desafeto dos Estados Unidos, ídolo em Cuba e amigo de Lula. Ele controlava o país com a maior reserva de petróleo do globo, com estimados 296 bilhões de barris, e vendia o combustível fóssil a um preço muito abaixo do usual.

O contexto da divulgação da morte de Chávez demonstra bem o temor das elites políticas venezuelanas. Durante os últimos dias, os boletins médicos do ex-presidente têm sido crescentemente piores, voltados para preparar a população, caso a morte viesse a acontecer. A cúpula militar expressou sua lealdade ao governo interino de Diosdado Cabello. Ao mesmo tempo, o Exército foi convocado em todo o país. Em Caracas, ouvem-se tiros, e os habitantes da cidade estão impossibilitados de se aglomerar nas ruas, patrulhadas ostensivamente.

(Créditos: Reprodução teleSUR)

Em seu discurso, Maduro afirmou que haveria um plano contra a Venezuela, e que o falecimento de Chávez (sem dúvida provocado pelo câncer que lhe afetava) teria sido obra de inimigos. Anteriormente, dois adidos militares americanos foram expulsos da Venezuela, acusados de espionagem. Enquanto o vice-presidente falava sobre a possibilidade de uma investigação científica da morte, o Departamento de Estado americano prontamente rejeitou as acusações, classificando-as como absurdas. Simultaneamente, homenagens ao ícone socialista latino-americano eram feitas em Buenos Aires e no Peru.

Mesmo com a saída de Chávez do poder, não é de se esperar uma mudança dramática nos rumos da política venezuelana. Caso Nicolás Maduro seja de fato confirmado como sucessor, o chavismo deverá continuar, ainda que de forma menos intensa. Barack Obama já demonstrou publicamente interesse em melhorar as relações com a Venezuela. Maduro é conhecido por seus laços com Cuba, porém muitos reconhecem sua capacidade de moderação e negociação, que contribuiu para formar alianças diplomáticas com outros países americanos.

Chávez deixou para seu sucessor um cenário econômico desfavorável, e difícil de ser revertido caso haja alguma transição na política econômica. A economia venezuelana se baseia na exportação de petróleo, que corresponde a 90% da entrada de capital estrangeiro. O quadro inflacionário também não é bom, com a inflação chegando em média a 20% ao ano. Apesar dos programas voltados à melhoria da qualidade de vida, como o “Barrio Adentro”, que disponibilizava médicos cubanos em bairros carentes, a criminalidade e a falta de saneamento básico ainda afetam o país.

A comunidade internacional observa atentamente as consequências da morte de Hugo Chávez. Há ainda alguma esperança de se estabelecer um governo mais moderado, que atenue o discurso radicalista difundido previamente. Por outro lado, o reforço nas estruturas militares da nação indicam também o receio do próprio Estado venezuelano da população assumir tom de revolta, e causar protestos parecidos com os que derrubaram diversas ditaduras na Primavera Árabe.

Atualização 1

Com a morte de Hugo Chávez, a presidência da Venezuela deveria ter sido entregue nas mãos de Diosdado Cabello. Entretanto, em uma manobra inconstitucional e perigosa, o antigo vice-presidente Maduro assumiu o poder. Esse procedimento pode causar grandes tensões no país, com possíveis conflitos entre apoiadores e opositores do regime de Chávez.

Além disso, em meio a conflitos em diversas regiões do país, Maduro pediu à população que todos permanecessem unidos. A preocupação principal parece ser evitar algum tipo de reação mais exaltada da sociedade, que poderia por em risco a eleição de um novo presidente, a ser feita em 30 dias. A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, cancelou sua viagem à Argentina para poder comparecer ao funeral de Chávez, que ocorrerá nesta sexta-feira.