A Coreia do Norte e o impasse diplomático

13/06/2013 - Thiago Bittencourt

Cartaz divulgado pela Coreia do Norte representando a recorrente prática do militarismo. (Créditos: John Pavelka)

A Coreia do Norte é um país de contradições. Constrói grandes monumentos para seus líderes, porém não consegue alimentar a própria população. Possui o exército mais numeroso do mundo, com aproximadamente 1 soldado para cada 25 habitantes, mas a superioridade técnica não é presente. Entretanto, a maior contradição que a nação ostenta é relativa a seu nome oficial, República Democrática Popular da Coreia. As definições oficiais de república e democracia são:

República: “Forma de governo em que o chefe do Estado é eleito pelos cidadãos ou seus representantes, tendo a sua chefia duração limitada.” – Dicionário da Língua Portuguesa

Democracia: “É um regime de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos, direta ou indiretamente, por meio de representantes eleitos.” – Adaptado de: Wikipédia

É notório que o país asiático não se enquadrou, ao longo de sua existência, em nenhum dos dois principais conceitos presentes no seu nome. O poder sempre foi centralizado nas mãos dos descendentes de Kim Il-Sung, monarca que não alcançou o poder por meio de iniciativa popular. Além disso, os mandatos presidenciais têm duração indeterminada, podendo ser até a morte de cada líder. Logo, percebe-se que o Estado norte-coreano está longe de corresponder às expectativas provocadas por sua nomenclatura. No entanto, para o entendimento da situação norte-coreana, é necessário compreender tanto a história do país quanto seus interesses atuais.

Em 1905, a Coreia do Norte foi invadida pelo Japão, que, após cinco anos, também anexou aos seus domínios os territórios do Sul. No final da Segunda Guerra Mundial, a região foi dividida em áreas de influência estadunidense (ao Sul) e soviética (ao Norte) ¹. Sob a tutela do presidente Il-Sung, o socialismo foi adotado, o que levou o país a tornar-se dependente da União Soviética. O fundador da recém-criada nação morreu em 1994, quatorze anos depois de indicar seu filho como sucessor ao poder, Kim Jong-il.

O novo presidente aprofundou ainda mais o isolamento internacional dos norte-coreanos. A política adotada por seu governo, caracterizada pela extrema centralização do poder e da riqueza, contribuiu para o aumento dos índices de pobreza. Além disso, os ideais militaristas adquiridos do passado da URSS permaneceram existentes, com a criação de um controverso programa nuclear. Embora a iniciativa não seja bem vista pelos organismos internacionais, o antigo presidente assegurava o caráter pacífico da mesma. As ambições bélicas foram diversas vezes negociadas por ajuda humanitária, ainda que tais acordos não tenham sido plenamente respeitados pelo país.²

Imagem divulgada pela ONG “Feed my starving children“, que atua em países como a Coreia do Norte, em programas assistencialistas para combater a onda de fome que assola diversas nações.

Em uma tentativa de impedir que a DPRK (sigla em inglês que representa a Coreia do Norte) obtivesse artefatos nucleares, a diplomacia internacional utilizou diversos métodos. Compromissos foram firmados e desrespeitados em curto tempo. Punições foram aplicadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, incluindo restrições menos efetivas como a proibição do comércio de artigos de luxo. Determinados momentos foram, até mesmo, caracterizados pela negligência global em relação aos acontecimentos na península coreana.

Com o fim da União Soviética, a China assumiu o posto de principal contribuinte para o regime de Jong-il. Tal quadro pode ser facilmente percebido ao analisar os dados econômicos da Coreia do Norte. Seu PIB estimado de 40 bilhões de dólares baseia-se em 67,2% de importações oriundas da potência Sul-Asiática. No campo das exportações norte-coreanas, a “fábrica do mundo” consome 61,6% dos bens produzidos por sua parceira. Essa condição de dependência é crucial para compreender o papel dos chineses na contenção do discurso da DPRK.

Atualmente, o governo norte-coreano acredita que possui uma maior importância na geopolítica global. Apoderando-se de estratégias típicas da Guerra Fria, os oficiais de alta patente no país consideram que possuir armas nucleares constitui fator importante para a segurança interna. De fato, nações com esse tipo de armamento jamais foram atacadas por outras. Na configuração das instituições mundiais, as potências atômicas ou têm cargos principais ou são cortejadas pelas que possuem.

O sentimento ultra-nacionalista da DPRK pode ser explicado pela troca de poder que ocorreu recentemente. A morte de Jong-il trouxe ao poder o inexperiente Kim Jong-un, de apenas 30 anos de idade. Os avanços na tecnologia nuclear e a necessidade de consolidar o novo governo trouxeram euforia para a elite coreana. Em meio à crise econômica do país, discursos e vídeos provocativos contra os EUA e seus aliados atuam no incremento da popularidade do jovem presidente. Até mesmo as comuns paradas militares em Pyongyang são apenas simples tentativas de demonstrar um poderio inexistente. Observe no vídeo abaixo uma propaganda divulgada pela agência de notícias norte-coreana:

Vídeo compartilhado pelo The Telegraph no Youtube. (Reprodução Youtube - acesso em 05/09/2016)

A preocupação de diversos países em evitar um conflito é perceptível. Os Estados Unidos, por exemplo, apresentam um discurso diplomático comedido para evitar estimular os ânimos da nação socialista. Todavia, deve-se considerar que levar em consideração a exacerbada retórica de Jong-un não é uma atitude tão prudente quanto grande parte do mundo acredita ser, pelas seguintes razões:

  1. Há grandes chances de que o governo norte-coreano está se aproveitando da série de ameaças para depois exigir outros acordos multilaterais. No passado, ficou-se provado que tal Estado desrespeita várias exigências negociadas previamente. Desse modo, a realização de negociações apresenta caráter somente temporário.
  2. O incremento da presença militar estadunidense no Mar do Japão ocasiona duas consequências negativas. De uma forma mais direta, o aumento de gastos para os EUA em um período crítico da economia, que se recupera da crise de 2008. Adicionalmente, um efeito indireto é a possibilidade de mais um eixo argumentativo a ser explorado por Kim Jong-un, a interferência americana em todo o globo.
  3. As possibilidades de ocorrer um evento que acidentalmente acarrete a guerra são maiores. Sem dúvida, o embate forçaria uma intervenção dos EUA, o que significaria o fim da dinastia socialista. No caso de um conflito armado, porém, as economias da Coreia do Sul e do Japão sofreriam grandes prejuízos.

Visto que as ações atualmente efetuadas para tentar coibir ou atenuar os interesses norte-coreanos não têm obtido resultados práticos, a resolução do problema torna-se ainda mais distante. Entretanto, não se deve assumir a impossibilidade de solução do impasse. Alternativas ainda não aplicadas pela comunidade internacional surgem nesse contexto como possíveis opções para integrar a Coreia do Norte aos outros países.

O método da paz é caracterizado pela redução das sanções impostas pela ONU, assim como o fim dos movimentos militares desnecessários na península coreana. Ao diminuir as restrições, a DPRK não teria motivos para continuar com as declarações ameaçadoras. Por outro lado, tem-se o risco de Kim Jong-un considerar tal iniciativa uma oportunidade para pressionar ainda mais as outras nações envolvidas.

Contrapondo-se à ideologia pacifista, a guerra também é outra abordagem estudada por Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão. As tropas sul-coreanas treinam anualmente com os americanos para estarem preparadas caso um conflito ocorra. No entanto, o regime socialista possui diversas armas convencionais, não nucleares, que poderiam afetar seus países vizinhos. Os mísseis Hwasong, por exemplo, foram desenvolvidos com tecnologia soviética e inclusive vendidos para Irã e Síria.

Foto divulgada pela Força Aérea dos Estados Unidos, representação de um avião B2-Spirit. A aeronave nuclear foi utilizada nos exercícios com a Coreia do Sul em 2013 como demonstração do poderio estadunidense para a DPRK.

O caminho mais viável para finalizar o impasse norte-coreano inclui a intervenção da China. Os chineses ocuparam a posição da URSS na sustentação do regime ditatorial socialista. Com isso, uma postura mais exigente deles deve alertar os líderes da Coreia do Norte dos perigos de se manter a retórica belicosa. Caso tal intervenção não seja suficiente, o isolamento ainda maior da DPRK poderá causar uma revolta popular contra Kim Jong-un, o que transforma a abertura do regime em uma opção adequada. Acredita-se que o ditador utiliza-se de campos de concentração para aprisionar opositores, mas tal prática não teria efeito no caso de uma crise mais ampla no país.

O término da tensão na península coreana poderia até ocorrer, caso a diplomacia chinesa, detentora de poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, adotasse um discurso mais radical em relação a sua aliada. Com a mudança de presidentes na China e o crescimento exponencial da economia do país, é possível que tal cenário exista em um curto prazo. Contudo, não é possível saber se o mesmo terá repercussões diretas no governo de Jong-un ou apenas afetará a vida de milhões de coreanos que não são responsáveis pelas políticas do governo que os controla.

Notas

  1. A divisão da península coreana foi efetuada pelos Aliados da 2ª Guerra Mundial (notoriamente EUA e URSS), em um contexto de Guerra Fria, com base no Paralelo 38. Regiões abaixo da linha imaginária constituiriam a Coreia do Sul, enquanto as áreas superiores seriam da Coreia do Norte.
  2. A Coreia do Norte foi o único país a se retirar do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Essa postura é um dos fatos que causam preocupação nas Nações Unidas, uma vez que há o medo das tecnologias bélicas norte-coreanas serem compartilhadas com nações envolvidas em conflitos, ou até mesmo grupos terroristas.

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